Como o excesso de dopamina fez a vida normal parecer insuportável
Vivemos cercados por alertas, crises globais, timelines infinitas e promessas de uma vida muito mais interessante do que a nossa. Enquanto isso, o café esfria na xícara, a cama fica por arrumar e a sensação de que “a vida real está acontecendo em outro lugar” cresce silenciosamente.
Foi lendo o texto em julho de Clara Esteves (Você subestima demais sua vida comum.) que algo se reorganizou dentro de mim. Não como uma revelação barulhenta, mas como aquelas verdades simples que, quando ditas, fazem a gente parar e respirar fundo. Clara fala sobre guerras, hobbits, Tolkien, Kafka… mas, no fundo, ela está falando de algo muito mais íntimo: a urgência de defender a vida comum.
E não me entenda mal, eu amo incentivar mulheres a romperem padrões e conquistarem novos sonhos! Não é sobre isso!
Por anos, vivi correndo atrás do extraordinário. No mundo corporativo, na minha vida pessoal, na skin terapeuta nômade… era sempre o próximo projeto, a próxima meta, o próximo reconhecimento. Mesmo com toda a jornada de autoconhecimento, ainda havia uma voz sussurrando: “dá pra conquistar mais”.
E talvez isso seja hoje um dos gestos mais contraintuitivos que existem.

A guerra que quase ninguém percebe
O mundo nos ensinou a olhar sempre para o extraordinário. Para o grande feito, a grande causa, a grande transformação. Só que, como Clara aponta com precisão, as pessoas não atravessam guerras sonhando com glória… elas sonham com voltar para casa.
Sonham com sopa quente, com uma rua tranquila, com uma tarde comum.
Vivemos com um cansaço difícil de explicar. Não é só físico. É existencial.
É a sensação de que a nossa vida (com seus horários, boletos, refeições simples e dias parecidos) não é suficiente. Como se a vida real estivesse sempre acontecendo em outro lugar, na tela de alguém, em um cenário mais bonito, mais intenso, mais excitante.
E talvez esse seja um dos maiores enganos do nosso tempo.
Vivemos em um mundo viciado em estímulos irreais. Emoções amplificadas. Sucessos espetaculares. Narrativas épicas aplicadas a existências humanas que, por natureza, são feitas de repetição. O resultado? Uma geração inteira desconectada da própria rotina, como se o cotidiano fosse um erro, quando, na verdade, ele é a base de tudo.
O que realmente sustenta a vida quando tudo desmorona
Em 2024, passei 5 meses viajando pela Europa. Era tudo que eu achava que queria: liberdade total, paisagens incríveis, experiências únicas todos os dias.
Foi incrível poder viver isso, mas chegou uma hora que eu queria minha antiga vida de volta. Queria uma xícara de café na mesma mesa. Uma rotina de manhã que fosse minha. Poder arrumar a cama e saber que meu gato e meu cachorro estariam lá…
Não eram as grandes aventuras que me faltavam — eram os pequenos rituais que criam o sentimento de lar.
Foi aí que entendi: não é a rotina que nos cansa. É a desconexão com ela.
Isso desmonta uma ideia muito difundida: a de que a vida só vale quando é extraordinária. Em momentos de crise, o que se revela essencial não é o glamour, nem o poder, nem a performance… é a possibilidade de uma vida ordinária vivida em paz.
Talvez tenhamos romantizado demais o excesso e esquecido de honrar aquilo que realmente sustenta o humano.
O problema não é a rotina. É o vício.
No livro “Geração Dopamina”, a psiquiatra Anna Lembke explica como o excesso constante de estímulos faz com que o cérebro perca a capacidade de sentir prazer nas coisas simples. Quanto mais dopamina artificial, menos satisfação genuína.
Isso muda tudo.
Talvez não odiemos nossa rotina porque ela seja vazia.
Talvez a odiemos porque estamos hiperestimulados demais para senti-la.
A vida comum começa a parecer sem graça quando exigimos dela a intensidade de um espetáculo.
Mas a vida nunca foi um espetáculo. Ela é um processo.

Os verdadeiros heróis querem voltar para casa
Existe algo profundamente simbólico em histórias onde os heróis não lutam por glória, mas por retorno. Eles seguem em frente não para conquistar o mundo, mas para preservar algo pequeno o suficiente para amar.
Uma casa.
Um vínculo.
Uma possibilidade de descanso.
Isso inverte a lógica moderna que nos empurra para o “sempre mais”: mais visibilidade, mais dinheiro, mais impacto, mais urgência. Talvez a verdadeira maturidade esteja em desejar menos — e cuidar melhor.
Cuidar do que se repete.
Do que parece banal.
Do que não dá aplauso.
Arrumar a própria vida não é pouco. É tudo.
Existe uma fantasia perigosa de que primeiro salvamos o mundo, e depois, se sobrar tempo, cuidamos da nossa vida. Mas isso nunca vai funcionar.
Não existe mundo possível sem pessoas minimamente em paz com o próprio cotidiano. Não existe transformação coletiva construída sobre pessoas que desprezam a própria existência diária.
Salvar o mundo começa pequeno.
Começa com presença.
Com responsabilidade sobre o que está ao alcance.
Uma cama arrumada.
Uma refeição feita.
Um dia vivido com alguma dignidade.
Talvez o futuro precise de menos fuga e mais enraizamento.
A maior perda do nosso tempo não é material. É simbólica. Perdemos o respeito pelo comum. E, sem ele, tudo vira frustração, comparação e ansiedade.
Talvez o gesto mais radical hoje não seja mudar tudo, mas parar de fugir da própria vida. Reconhecer que a maior parte da existência é feita de dias normais. E que não há nada de errado nisso.
Na verdade, há tudo de sagrado nisso.
Porque é nos dias comuns que construímos quem somos. É na repetição consciente que encontramos nossa essência. É na simplicidade que descobrimos o que realmente importa.
A vida extraordinária não está esperando você em outro lugar.
Ela está aqui, agora, pedindo apenas que você a veja com outros olhos.
A pergunta que fica não é “quando minha vida vai começar de verdade?”, mas outra, bem mais honesta: o que, na sua vida simples e real, já vale a pena ser preservado hoje?
Porque, no fim, é isso.
O cotidiano não é o intervalo da vida. Ele é a própria vida.
Por hoje é isso. Obrigada por me acompanhar nessa reflexão.
Até logo, com amor,
Luisa Durante

Talvez seja hora de uma conversa honesta sobre o que realmente significa a rotina na sua vida. Ofereço uma sessão gratuita de reconexão para mulheres que estão se questionando sobre como estão levando a vida. Vamos conversar?


